15 de mai. de 2015

Cia Étnica estreia espetáculo inspirado no mito Chica da Silva No mês em que se comemora a Abolição da Escravatura (13 de Maio), a Cia Étnica estreia seu novo espetáculo “Chica”, poeticamente inspirado no mito Chica da Silva. Com concepção e direção de Carmen Luz, a obra coreográfica constitui o cruzamento da dança com as artes visuais, a história brasileira contemporânea e a poesia, revelando a força e a audácia do corpo negro feminino. Contemplado com o Prêmio Afro 2014, patrocinado pela Petrobras, “Chica” estreia nacionalmente dia 21 de Maio, no Teatro Cacilda Becker, no Rio de Janeiro, com direção de produção de Sara Calaza.




Chica da Silva é um interesse antigo da diretora e cineasta Carmen Luz. Mas foi em 2013, ao tomar conhecimento de um trote ocorrido na Faculdade de Direito da UFMG, onde uma caloura foi pintada de preto e acorrentada, com uma placa dizendo “Caloura Chica da Silva” ao pescoço, que Carmen Luz resolveu que era o momento de começar a conceber o espetáculo.

“Faz muito tempo Francisca da Silva de Oliveira, a Chica da Silva, me assombra. As lendas e os estereótipos adesivados em seu corpo negro continuam alimentando o imaginário sobre a mulher brasileira. Do século XVIII ao XXI todas nós, negras, mulatas e brancas afrodescendentes, quando punidas, esculachadas, sexualizadas, bem-sucedidas, poderosas e assassinadas, somos meio Chica da Silva e nossas histórias seguem assim, pelas beiradas.   Alimentada por extensa pesquisa, esta peça, que inicia a celebração de 21 anos da Cia Étnica, tomou a história e os fantasmas da “Imperatriz do Tijuco, a Dona de Diamantina” como um mapa para dançarmos a nós mesmas e a nós mesmos, dançarmos a Chica que somos e, também, aquelas Chicas cujas histórias nos atravessam diariamente, seja nos palácios, nas ruas, em nossos afetos ou, como disse Carolina Maria de Jesus, no quarto de despejo de nossa cidade.” – comenta Carmen Luz.

Assim, dando prosseguimento a pesquisa da sua Cia Étnica, a respeito da entrada do corpo negro na dança, Carmen Luz estimulou seus bailarinos e bailarinas a olhar o movimento dos negros nas ruas, nos mais diversos lugares, em atividades distintas, buscando as Chicas que atravessaram a história e que estão no corpo deles próprios, bailarinos e bailarinas da Cia Étnica, que vêm da zona norte e zona oeste, territórios do Rio de Janeiro.

Carmen, que também é documentarista, produziu uma série de vídeos que serão projetados em determinados momentos do espetáculo como signos que traduzem a formação desses corpos. Assim, revisitando o quintal da nossa história em busca dos corpos dos territórios desses bailarinos, vai surgindo o espetáculo “Chica”.

“Chica” faz parte de um projeto mais amplo, dividido em três partes: a primeira é o espetáculo em questão, a segunda é a realização de um documentário, e a terceira parte é um vídeo instalação na casa de Chica da Silva, em Diamantina, que agrega o espetáculo e o documentário.


Além disso, a convite de Carmen Luz, Liv Sovik, da Escola de Comunicação da UFRJ, ministra no dia 29 de Maio, às 16h, no Teatro Cacilda Becker, com entrada franca, a palestra “Gênero e política em Chica da Silva” que trata como Chica da Silva surge e ressurge na cultura brasileira, se propaga e se desdobra em diversas versões, falas, imagens, figurações. Discutirá alguns traços recorrentes, vistos de forma negativa e positiva, coincidem com estereótipos da mulher brasileira: mulata, sedutora, altiva talvez além da conta. O que podemos entender da recorrência de Chica no imaginário de diversas épocas? O que as leituras de Chica nos falam sobre como a mulher comum e extraordinária suscita reações de admiração e repúdio?

O mito Chica da Silva

Chica da Silva inspirou muitas histórias, algumas incompreensíveis pela visão de hoje. O primeiro relato a seu respeito, escrito por um advogado de descendentes de Chica, Joaquim Felício dos Santos, foi publicado em um jornal entre 1862 e 1864. Nesse relato, Chica era dominadora, feia e sem atrativos. Nove décadas mais tarde, no Romanceiro da Inconfidência (1953) de Cecília Meireles, Chica aparece como uma beleza natural, semelhante à da paisagem. Ela é associada às luzes, ao brilho e aos diamantes: “Nem Santa Ifigênia / Toda em festa acesa / Brilha mais que a negra / Na sua riqueza”. Só em 1963, com o desfile campeão do enredo “Chica da Silva” da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, se assistiu o primeiro relato sobre ela em que sua subjetividade aparece: “O contratador João Fernandes de Oliveira / A comprou para ser sua companheira / E a mulata, que era escrava, / Sentiu forte transformação / Trocando o gemido da senzala / Pela fidalguia do salão.” Foi o desfile do Salgueiro que inspirou Cacá Diegues a fazer o filme homônimo em 1976, com outra abordagem ainda, mais próxima da versão do século XIX, mas com uma dose de pornochanchada. Chica ainda foi tema de peças de teatro, romances, sucesso em 1985 de Boney M., banda de disco afro-caribenha baseada em Alemanha, e uma telenovela. De tão viva no imaginário, reapareceu em um trote universitário em 2013, na Faculdade de Direito da UFMG, em que uma caloura foi pintada de preto e acorrentada, com uma placa com “Caloura Chica da Silva” no pescoço. Mas foi somente no ano de 2003 que Chica da Silva, que inspirou essas diversas histórias, cada uma com seus valores e compreensões da época, ganhou o relato baseado em documentos históricos, Chica da Silva e o contratador de diamantes, editado pela Companhia das Letras, de autoria da historiadora Júnia Ferreira Furtado. Chica da Silva foi excepcional, segundo Júnia Ferreira Furtado, porque foi libertada quase imediatamente depois da compra. Foi excepcional porque, como diz o samba, trocou o gemido da senzala pela fidalguia do salão, superou a barreira da cor e do cativeiro zombou. Chica da Silva morreu em 1796, em Diamantina, e foi enterrada na Igreja São Francisco de Assis. Seus restos mortais – naturalmente mumificados – foram descobertos na reforma da igreja, em 1917. Nessa ocasião, o coveiro se assustou com o que parecia um saco de ossos, jogando-o onde se jogava os esqueletos de animais selvagens. A criação de mais essa história é incompreensível hoje e provavelmente o seria durante a vida de Chica.


21 anos da Cia Étnica

Coreógrafa e diretora artística da Cia Étnica de Dança, desde sua fundação, Carmen Luz é também cineasta, diretora de teatro e pesquisadora em dança. Seu foco principal é o corpo negro, suas formas de movimento e sua história. Aborda, com especial interesse, as gestualidades das mulheres afro-brasileiras e a corporeidade dos jovens moradores dos grandes centros urbanos e suas periferias. Em 1994, Carmen Luz criou no Rio de Janeiro a Cia Étnica, por um desejo de intervenção na cena contemporânea da dança carioca: o de pôr em foco os sujeitos e objetos da diáspora africana. Suas criações traduzem, em forma singular, pesquisas e reflexões sobre a ancestralidade africana no Brasil e o multiculturalismo brasileiro. Ao longo da trajetória – que em outubro de 2015 completa 21 anos – a Cia criou e realizou coreografias, performances, peças de dança e teatro, instalações coreográficas, recitais, vídeos, documentários e parcerias com artistas e instituições culturais no Brasil e no exterior. Essas obras foram vistas por amplo público em teatros, galerias, parques, favelas, salas de cinema, universidades e outros equipamentos culturais e educacionais em diversas regiões brasileiras. Em 1997, a Cia Étnica mudou-se para o Morro do Andaraí, zona norte carioca, onde manteve sua base até 2010. Apoiada por sua premiação em concursos públicos de projetos para capacitação profissional de jovens, recursos próprios e resistência pessoal, a Companhia pode concretizar e irradiar, do centro daquela favela carioca, suas principais premissas. Dedicou-se à pesquisa e à criação de linguagem em dança contemporânea, incentivou a formação de novos públicos, estimulou a capacitação de novos profissionais para as Artes Cênicas e promoveu trocas e partilhas com a comunidade local, a sociedade brasileira e internacional, através da elaboração e gestão de projetos onde a conscientização sócio-cultural, a experimentação e o desenvolvimento pessoal, social, profissional e artístico de jovens, crianças e adultos, encontravam-se alinhados. Suas práticas e percurso tornaram-se inspiração para uma quantidade significativa de jovens negros, brancos e mestiços desenvolverem, atualmente, seus próprios trabalhos, quer como coreógrafos, bailarinos e intérpretes-criadores; quer como técnicos e diretores de suas próprias companhias de dança. Atualmente a Cia Étnica de Dança é residente na Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, apoiada pelo Instituto de Artes/PPGArtes, pelo Projeto Zonas de Contato, pela Faculdade de Educação Física e pela Coart.




Ficha técnica

Concepção, Direção e Coreografia: Carmen Luz
Direção de Produção: Sara Calaza
Intérpretes-criadores: Amanda Correa, Ana Gregorio, Alessandro Portugal, Anderson Nascimento, Claudia Martins, Gessica Justino e Silvia Patricia
Design de Luz: Bruno Barreto
Figurinos e Adereços: Lucas Pocian
Música Original: Rodrigo Brayner
Vídeos: Carmen Luz e Vick Birkbeck
Preparação Corporal: Charles Nelson, Amanda Correa, Helena Matriciano e Claudia Martins
Assistentes de Direção: Amanda Correa e Anderson Nascimento
Ensaiadora: Amanda Correa
Design de Som e Trilha Sonora: Alessandro Portugal, Carmen Luz e Rodrigo Brayner
Montagem e Edição da Trilha: Rodrigo Brayner e Fábrica Nômade Sonora
Assistência e Operação de Luz: Erick Santos
Cenotécnico e Contrarregra: Darci Cesar Cezinha
Edição e Operação de Imagens: Ananda Campana
Consultoria: Liv Sovik
Divulgação: Naira Fernandes
Design Gráfico: Aline Paiva
Web Design: Rodney Wilbert
Fotos: Claudia Ferreira e Aloizio Jordão
Fotógrafa Assistente: Adriana Medeiros
Assessoria de Imprensa: Ana Andréa e Ney Motta | contemporânea comunicação

Agenda Cultural do Rio de Janeiro 
Divulgação Cultural -  Colagem de Cartazes, Distribuição de Filipetas e Divulgação de Mídia Online (21)99676-9323 agendaculturalrj@gmail.com 


Serviço:


CHICA
Local: Teatro Cacilda Becker – Rua do Catete 338, Largo do Machado, Rio de Janeiro. Tel. 2265-9933. (Próximo a Estação Largo do Machado do Metrô)
Temporada: de 21 a 31 de Maio de 2015. De quinta a sábado às 20h, domingo às 19h.
Ingressos: R$ 10,00
Estudantes, professores e classe artística: Entrada gratuita mediante apresentação da carteira.
Duração: 50 minutos
Classificação Indicativa: Livre

fotos © Cláudia Ferreira